sábado, 4 de dezembro de 2010

A proibição do sentir

Ao meu redor existe uma enorme quantidade de pessoas fortes, pessoas de espíritos fortes. São pessoas que não sofrem, não choram, não sentem dor. Na verdade não são espíritos fortes, mas sim enrijecidos, tão enrijecidos que seus sentimentos estão quase totalmente bloqueados. Os corações dessas pessoas são frios e duros como pedras.

Observo isso quando vejo o sofrimento de alguém e uma dessas pessoas duras não permite a expressão dos seus sentimentos. Quando as pessoas se encontram em situações de profundo sofrimento, o que lhes é cobrado é que parem de chorar, que não expressem os seus sentimentos. Tornou-se antiquado chorar, é proibido. Adultos não choram, homens não choram, e até as crianças são obrigadas a “engolir” o seu choro (não é isso que os pais muitas vezes fazem com as crianças? Não mandam elas pararem de chorar?). Se soubessem o mal que faz à saúde não expressar os sentimentos... É preciso ter uma visão holística do ser humano (e do universo, é claro). Wilhelm Reich, um dos mais brilhantes alunos de Sigmund Freud, descobriu o que ele chamou de couraça muscular. Couraças musculares são contrações crônicas na musculatura que são mantidas inconscientemente  para reprimir sentimentos impedidos de serem expressos, para mantê-los sob controle, e isso causa dores, alterações no padrão respiratório e outros desnecessários problemas de saúde, fora o gasto de energia necessário para mantê-las.

O que me parece é que o ego das pessoas tem medo da derrota, da perda, da queda, então as pessoas procuram se mostrar fortes, inabaláveis, não podem dar o mínimo indício de fraqueza, e isso as torna quase completamente insensíveis. Eu gostaria que alguém me explicasse qual é realmente o problema em chorar. Infelizmente essa sociedade egoísta nos cobra de “ficarmos em pé” o tempo todo, não se pode cair e permanecer no chão por um tempo para rever as coisas, para analisar a situação e os sentimentos, se recompor emocionalmente e, enfim, retomar o controle de nossas vidas. Qualquer sentimento deve ser deixado de lado, porque o trabalho é mais importante, porque qualquer finalidade egoísta é mais importante, e para fugir dos sentimentos qualquer coisa é permitida, álcool, cigarro, drogas, festas, sexo, beijo, esportes, carros, consumo, dinheiro, jogos, brincadeiras, dança, piada, comida, filmes, videogames, qualquer coisa que permita matar afogado o sentimento, que permita o esquecimento e fuga do mesmo, qualquer coisa que desvie sua atenção do que está ali, mas sentir é proibido. Não que todas essas coisas citadas sejam ruins em si mesmas, algumas vezes até são, mas inúmeras vezes até coisas simples, bons hábitos e outras coisas que gostamos são utilizadas no sentido de fuga, o que não é positivo, então até isso às vezes é um perigo. Até a religião pode ser utilizada como fuga. Mas não se deve buscar Deus para fugir, deve-se buscar Deus para enfrentar. Até dormir é uma fuga.

Vou dar um exemplo simples. Estou escrevendo este texto. Posso usá-lo para me vangloriar, para me sentir grande, superior, ou até mesmo sábio, tudo isso para me sentir bem, para fugir de algo, para encobrir uma angústia, enfim, para confortar o ego. É uma possibilidade, mas sei que ao terminar de escrever não devo ficar preso ao que escrevi, me desapego e vou fazer outra coisa.

Esse “afogamento” acontece mesmo que as emoções, sentimentos e suas expressões sejam processos fisiológicos, além de psicológicos, onde entra em ação uma área do cérebro chamada sistema límbico, um complexo de estruturas associadas incluindo o hipotálamo, que atua não só nas emoções, mas regula a atividade dos órgãos, sono e fome, entre muitas outras coisas, e é por isso que se tem muita ou pouca fome, ou sono, por exemplo, quando se está emocionalmente abalado, e também por isso que sentimos uma sensação de mal estar nos nossos órgãos. Isso quer dizer que impedir durante toda uma vida sentimentos de serem expressos é o mesmo que impedir a excreção, que igualmente é um processo fisiológico. Imagine o que aconteceria se fosse possível impedir a excreção durante toda uma vida o que aconteceria. E é também por isso que as drogas e o álcool potencializam seja lá o que for que você esteja sentindo, pois eles atuam justamente no hipotálamo.

Além da proibição do sentir, quando se transgride essa regra a pessoa acaba não sabendo como sentir. Não se sabe como dar vazão aos sentimentos, nem mesmo se tem controle sobre isso. Muito sofrimento acumulado no inconsciente acaba sendo colocado para fora por causa de uma situação que nada tem a ver com a situação que o criou. Logo, quando você sente raiva de alguma coisa ou de alguém por um motivo qualquer você acaba tentando, inconscientemente, descarregar toda a sua raiva que foi reprimida durante anos, e aí acaba causando algum tipo de dano a outras pessoas ou a alguma coisa.

Mas ter controle sobre os próprios sentimentos e saber como expressá-los de forma não prejudicial é quase um superpoder, uma realização sobrehumana, portanto, o ego não quer que a outra pessoa expresse os seus sentimentos, pois ele não pode ver que o outro consegue o que ele não consegue, sabe o que ele não sabe, e me parece ser por isso que uma pessoa não permite que a outra expresse os seus sentimentos, pois ela mesma teve que reprimir os seus e por isso não sabe como expressá-los, portanto não quer que outra pessoa o faça ou saiba como fazer.

Eu gostaria de saber o que é que pensam os insensíveis quando vão dormir, pois muitas vezes o travesseiro é o nosso capataz, já que a hora que deitamos nossa cabeça nele, sem nenhuma atividade que possa nos distrair, os sentimentos, as angústias e preocupações vem visitar o nosso pensamento.

O iluminado mestre espiritual Eckhart Tolle, em seu livro O Poder do Agora fala em um trecho sobre algo que ele aprendeu com os patos. Quando um pato invade o espaço do outro os dois fazem uma barulheira e batem as suas asas freneticamente para descarregar a energia acumulada com a raiva, sem a necessidade de um confronto físico, depois cada um vai para o seu canto e fica tranqüilo, como se nunca nada tivesse ocorrido.

Portanto, seja lá o que for que você estiver sentindo, você deve sentir no momento que ocorre, tente viver o momento presente, porque é aí onde a vida acontece, nada acontece fora do momento presente. Quando o passado ocorreu ele era presente, e quando o futuro chegar ele também o será. Tente entender que passado e futuro não existem fora da mente. Se no seu presente você sofre, viva o sofrimento, deixe que ele aconteça e apenas observe. Não negue o sentimento, pois ele sempre tentará conseguir a sua atenção, portanto dê atenção a ele no momento em que ele surge para que ele não te perturbe, pois se não fizer isso será mais difícil liberá-lo mais tarde, e ele continuará tentando conseguir sua atenção durante anos. Observe, também, que quando incorre um sentimento negativo muito forte pode surgir o desejo de não se  pensar em nada. E não pensar em nada é meditação. Parar o pensamento é possível e necessita prática diária. Pratique a meditação diligentemente, mas não faça sozinho, procure um bom mestre para orientá-lo.

E pense melhor quando quiser impedir o choro, o medo ou a raiva de alguém.

FYM

                                                                                              Jerônimo Martins Marana

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